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PRÁTICA

Antes de explicá-la, gostaria de deixar claro que esta é a articulação prática do meu TCC e, considerando que comecei a elaborá-la depois do meu foco principal (a pesquisa teórica), ela nunca pretendeu se mostrar finalizada. Ainda me restam dúvidas a serem melhor resolvidas, assim como não busco dar conta de todas as complexas questões socioespaciais que estão relacionadas ao acesso à cidade e já enraizadas na sociedade contemporânea. A ideia de experimentar a elaboração de uma prática de reivindicação se uniu com o interesse das práticas contracartográficas. Apresento a partir de agora, então, o “meio” da elaboração dessa contracartografia e, quem se sentir interessado, fique à vontade para colaborar com ideias e sugestões.

FUNCIONAMENTO DO "JOGO"

ESPAÇO CONTRACARTOGRÁFICO

- Cada contracartografia virtual será uma articulação de um espaço físico “X” da cidade.

- Esse espaço físico “X” pode ser tanto uma esquina quanto uma praça ou, como disse Rosalyn Deutsche, um museu e até um espaço não-físico.

- Para cada local haverá uma página diferente no site ou no aplicativo destinada à montagem da contracartografia.

- Qualquer pessoa pode solicitar que uma nova página seja criada para um certo espaço físico que ela queira que se articule uma contracartografia e se inicie o “jogo”.

PRIMEIRO PASSO

Responder um questionário inicial para entender que tipo de deslocamento aquela pessoa tem usualmente na cidade, assim como sua relação com o espaço público “X” e seus desejos em relação a ele. Algumas considerações que podem ser feitas:

- Localização aproximada de residência ou de onde ela passa a maior parte do tempo, caso não possua residência.

- Quais outros bairros da cidade costumam passar por ou frequentar em seus deslocamentos semanais.

- Que tipo de transporte utiliza para esses deslocamentos semanais.

- Frequência naquele espaço físico “X” (diária/semanal/mensal/anual/nunca).

- Horário usual de frequência (manhã/tarde/noite/madrugada/todos).

- Justificar sua frequência (passagem/lazer/abrigo/descanso/trabalho/estudo/atividade física/contemplação/protestos...).

- Se gostariam de frequentar e utilizar mais aquele espaço “X”.

SE SIM:

- Horários que gostariam de frequentar (manhã/tarde/noite/madrugada/todos).

- O que os impede (tempo/vergonha/medo/discriminação/segurança/proibição...).

OBJETIVO

 

Como um dos locutores do documentário “Espero tua (re)volta” diz: “o espaço pode até ser público, mas nem todo mundo pode ir”. E também como visto nos longas “Chega de fiu fiu” e “O ódio”, todos tentam burlar barreiras materiais e simbólicas de forma a adquirir capital espacial, ou seja, o direito e o poder de que seus corpos tenham mais mobilidade, territorialidade e visibilidade na cidade. No eixo “espaço público” eu falo sobre a questão de, na maioria dos casos, as pessoas da periferia urbana serem as que mais sofrem em relação a sua mobilidade e as práticas socioespaciais que lhes são estigmatizadas e muitas vezes negadas pela política, forma de produção de cidade e pela própria sociedade.

 

Minha proposta de contracartografia é virtualizar esses agenciamentos espaciais para que, por meio de um jogo dissensual – no qual a recombinação de signos permite o estranhamento e a divergência –, leve os indivíduos a refletirem sobre seu poder de capital espacial em relação ao de outros. Além disso, que, de alguma forma, seja redistribuído esse poder de capital espacial para agir na cidade física.

COMO FAZER PARTE

- A partir da leitura de um QR-Code, inserido em cada espaço físico “X” da cidade.

- Por meio da geolocalização que, ao passar pelo espaço físico “X”, lança notificações nos smartphones das pessoas que frequentam ou passam por aquele local.

- A leitura do QR-Code ou a notificação por geolocalização levarão a:

1- Se for a primeira vez acessando a plataforma: direcionará para o site ou para baixar o aplicativo.

2- Se não for a primeira vez: direto para a página da contracartografia daquele espaço “X”.

SEGUNDO PASSO

O segundo passo será uma forma mais “livre” que o primeiro, na qual o indivíduo pode incluir alguma mídia ou escrever um pequeno texto, que resuma ou represente alguma das perguntas levantadas no questionário. Exemplos: sua frequência ou não frequência naquele espaço “X”; o que ele é para você; o que o impede de utilizá-lo; sua mobilidade pela cidade.

FORMAÇÃO DA CONTRACARTOGRAFIA

Por meio de uma programação feita para essa contracartografia, instantaneamente os dados coletados de cada nova pessoa promoverão um novo rearranjo cartográfico no mapa, de forma que pessoas de diferentes contextos, frequência no local “X” e deslocamentos pela cidade, entrassem em contato umas com as outras. Como nas performances e instalações do artista Santiago Sierra e no antagonismo relacional de Laclau e Mouffe, essas associações improváveis criariam nexos inesperados, talvez choques entre realidades diferentes, causando estranheza, desconforto e, assim, gerariam cenas de dissenso e evidenciariam algumas tensões existentes ou apagadas desse lugar “X” físico da cidade.

No eixo “participação” trago um trecho explicativo: “Esse antagonismo relacional seria baseado não na harmonia social, mas em expor o que é reprimido para sustentar a aparência dessa harmonia. Isso forneceria, assim, uma base mais concreta e polêmica para repensar nossa relação com o mundo e uns com os outros.”

COMO/EXEMPLO

 

 

- Usarei como exemplo o Jardim de Alah, na divisa entre os bairros do Leblon e Ipanema. Um "espaço público" que já foi meu objeto de estudo e projeto anteriormente e, portanto, o qual eu já conheço parte de sua dinâmica.

Localização Jardim de Alah

- Considerarei 22 pessoas "fictícias" que entrarão no espaço virtual da contracartografia do Jardim de Alah. Assim, um recorte da cartografia “oficial” (conhecida por todos), considerando a localização da residência de uma pessoa, irá trocar de lugar com o recorte cartográfico da residência de outra pessoa e, então, ficarão “conectadas” por uma linha que evidencia essa troca.

recortes trocados.jpg
recortes trocados com linhas

- Ao clicar no recorte, será mostrado seu verso (representado pelos quadrados brancos), contendo a mídia ou o texto que cada pessoa escolheu incluir no site/aplicativo.

recortes em branco.jpg
recortes em branco com linhas.jpg

- Ao clicar na linha que conecta os indivíduos, aparecerão suas informações preenchidas no primeiro passo. Além disso, também será visualizada uma nova linha de conexão entre elas, não mais “reta” e sim conectadas pelo ponto do espaço físico “X” em questão, mostrando o percurso de transporte público que elas terão que fazer, de acordo com o google maps, para chegar até esse ponto do espaço público.

recortes trocados MADUREIRA LEBLON.jpg
mapa rodovias linha verde.jpg
trajetos jardim de alah PS.jpg

- Novos agenciamentos serão feitos em um espaço de tempo determinado, de forma que sempre haverá associações diferentes e realocações de novos indivíduos no espaço contracartográfico.

- A cada novo rearranjo as pessoas receberão uma notificação por e-mail ou pelo app, para que, caso se interessem, vejam qual é o novo indivíduo que ela foi conectada.

- É importante dizer que é inútil tentar adivinhar como essa contracartografia ficará visualmente, pois, antes de tudo, assim como a montagem de Paola Berenstein, ela estará em constante mudança e não apresentará uma resolução final fixa.

CAPITAL ESPACIAL ADQUIRIDO

Estes agenciamentos, além de promoverem a contracartografia, no espaço virtual, se articulariam também para o espaço físico em questão. A partir de parâmetros utilizando o questionário inicial, cada pessoa teria o que poderia ser chamado – de acordo com meu orientador Otavio Leonidio – de “capital espacial adquirido”. Essa espécie de “pontuação” funcionaria como forma de permitir que esses corpos possam, mesmo que de uma forma ainda simples, redesenhar a cidade física e redefinir seus sistemas e padrões.

Alguns parâmetros que podem ser considerados:

-  A relação entre a frequência de um indivíduo daquele espaço “X” e distância desse espaço do local onde ele mora;

- O deslocamento desse indivíduo pela cidade, considerando os bairros frequentados/” passados por” durante a semana;

- A maior utilização de transporte púbico.

- O motivo dele querer frequentar e não o fazer.

NOVO JOGO DE PODER

A ideia é que esse capital espacial adquirido possa ser acumulado de acordo com as várias contracartografias de diferentes espaços públicos que as pessoas participarem e, também, que não seja utilizado individualmente, mas sim coletivamente para fins comuns.

 

Mas que tipo de ação esse capital espacial permitirá no espaço físico?

Poderia estar atrelado a políticas públicas, como dar maior voz em assembleias e decisões que envolvam o espaço urbano, por exemplo, maior poder de decisão dos locais de direcionamento de verba para infraestrutura e mobilidade pública. Ou poderia ser uma atuação mais local, referente ao espaço físico “X” da cidade em questão na contracartografia, como ter um maior poder de decisão e atuação sobre aquele espaço, de forma a quebrar certas barreiras socioespaciais existentes.

Essa articulação dos dados e agenciamentos da contracartografia para o espaço físico urbano ainda é hipotética e, mais uma vez, não busco resolver todas as questões que englobam o direito à cidade. Entretanto, seria um ótimo ponto de partida para entrarmos nesse espaço dissensual das contracartografias e imaginarmos outras formas de distribuição de poderes para quem sabe um dia, isso de fato poder ser aplicável no espaço físico.

SUPORTES TECNOLÓGICOS

Um relatório divulgado em 2019 pelo Pew Reserch Center coloca o Brasil como líder no uso de smartphones entre os países “emergentes”, considerando o uso da internet por 82,7% dos domicílios brasileiros. Entretanto, sinalizou que 17% da população brasileira não tem acesso a qualquer tipo de tecnologia móvel. Apesar de a cada dia ser menor a parcela da população mundial que não possui acesso a qualquer tipo de aparelho tecnológico que a permita entrar no espaço virtual, ainda não é possível dizer que essa desigualdade não exista e, portanto, é importante ressaltar que essa prática contracartográfica, por enquanto, não abrangerá 100% da população brasileira.

Em um mundo cada vez mais conectado seria ingênuo não aderir aos meios utilizados pela massa e ignorar esses suportes tecnológicos. Saindo da dualidade entre tecnófilos e tecnófobos, esses meios de comunicação podem trazer bons frutos e não alienantes, de acordo com Arlindo Machado, se “desprogramados” da técnica e da lógica da máquina. Cada vez mais, os artistas têm demonstrado capacidade de repropor os usos publicitários das mídias locativas e de distorcer suas funções simbólicas. Portanto, o mundo virtual – mais uma vez me referindo à potência de vir a ser – pode e deve ser explorado pelos meios de comunicação que o mundo tecnológico nos fornece – no caso do meu projeto, por meio da utilização de smartphones, geolocalização, criação de sites, aplicativos e QR-Codes. A escolha da geolocalização e do QR-Code foi a maneira mais democrática que encontrei, pois todos que passam por aquele local poderão ver e entrar no espaço virtual, sem depender de que métodos de divulgação façam com que meu site ou aplicativo chegue até as pessoas.

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